Esse ano, no lugar de cartão de Natal, escrevo uma histórinha. É uma maneira de compartilhar o ano que acaba, é um desabafo/entretenimento para aguardar o mundo que, quem sabe se acaba, uma maneira de rever e contar para quem não sabe o que é um pseudo tumor, o inquilino incômodo que tive que digerir esse ano.
2012, te cuida!
Pensei em começar assim: 2012, o ano em
que fui grampeada. Mas com o iminente fim do mundo essa semana, achei mais dramático
começar dessa outra maneira.
Explicando, fui grampeada sim. Não por
nenhum escândalo emocionante na órbita do mensalão que finalmente teve seu
julgamento - vai ver é por isso que o mundo quase acaba -, mas literalmente
grampeada, mais precisamente 9 grampos prateados de grampeador na minha
barriga. 9 piercings temporários indesejados.
Faz quase um ano e meio descobri um
monstrinho dentro do armário. Num exame oftalmológico, uma amiga querida - e
sagaz Dra. - achou uma alteração no exame de fundo de olho. Fez na hora uma
retinografia e pediu uma tomo. Entre a ficha cair e o tratamento efetivamente
começar, tirei umas ferias já programadas. Desestressar melhora tudo.
Ou não...
Eis que a pressurização no avião
incrementou a situação e detonou uma dor de cabeça intermitente fez alfândegas
de ida e volta.
O que havia no armário? Pseudotumor,
pseudopapiledema, hipertensão intra-craniana. Nome, sobrenome e pedigree de um
bicho que não existe, mas tem potencial de causar um tremendo estrago. O que é:
pressão alta no líquor, aquele líquido que corre na coluna e na cabeça, e que
estava pressionando um monte de coisas importantes que não deveriam ser
incomodadas - como o nervo ótico, por exemplo. Não é um tumor, mas mas pode
causar os mesmos danos. Nesse caso perda de visão, de audição e convulsões.
Sabe aquelas coisas que só habitam sua cabeça, mas que na verdade não existem?
Esse é o caso que melhor ilustra a expressão. Um bicho papão num canto
escuro dentro do armário, todo desengonçado bagunçando seus pijamas. Mesmo não
sendo fisicamente real, no silêncio dos barulhos de uma noite longa, soa
sinistro e dá aquele arrepio refrescante nas costas.
Lá estava eu, com as ideias
apertadinhas, tomando um monte de pílulas com deliciosos efeitos colaterais - como
prostração e esgotamento. Praticamente um surfista loiro depois de um caldo. Só...
Só o pó. O esforço não foi premiado e fui para a faca. A cirurgia consiste na
colocação de uma válvula para controlar o fluxo do líquido. Tipo um ladrão de
caixa d'água. Acordei toda dolorida, zonza e furada. 3 buracos para passar
o encanamento que dá looping aqui dentro que nem montanha russa da Disney e
entra coluna vertebral adentro. Ui. Contabilizei dois curativos pequenos, um
nas costas e um no pneuzinho (se é que posso falar no diminutivo depois de toda
a cortisona) e um grande, do tamanho de um iPad mini, ocupando boa parte da
minha barriga. Alí em baixo, sem que eu desconfiasse, estavam eles, os grampos.
Como os investigados, tomei o maior susto ao descobrí-los. Peças metálicas
fazendo um sanduichinho de pele. Nem precisava ser um pônei maldito pra ter
nojinho. Mas agradeço, das marcas que a vida me deixou esse ano essa sutura
Frankstein é a que está deixando a menor cicatriz.
Em 2012 ouvi muito essas palavras: você
tem que se cuidar. Agora que sentei para contar essa história, pensei nos
contextos em que já ouvi essas palavras, tão cheias e tão vazias de intenção
como "vamos almoçar qualquer dia..." Que mulher nunca ouviu de um
homem, após uma beijoca de despedida um "te cuida" daqueles de onde
se traduz: porque eu é que não vou cuidar e nem sei quando ou se te vejo de
novo. Diferente do "te cuida hein, menina?, que ouvi esse ano. Diferente
do cuidado desastrado que a gente recebe no hospital das enfermeiras que
socorrem via hematomas multicoloridos ao pegar nossas veias. Sem mais reclamaçoes
ao serviço do consumidor do corpo humano, deixo a dica aos rapazes de se
despedirem de maneira mais simples e serena: fique quieto, contemplando com um
secreto alívio interno a pessoa indo embora.
É assim em silêncio que deixo 2012 ir,
virar as costas e ir saindo da minha visão - sim, ainda sou uma mulher de visão
graças aos meus neuros, oftalmos e às novenas da família. Sem tchau, sem beijo
me liga e sem te cuida. À francesa espero um ano novo em folha - e que esta
folha não seja de receituário médico!
Adeus ano velho, feliz ano novo!
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